segunda-feira, dezembro 11, 2006

Soljenitsine aos 88 anos


Alexandre Soljenitsine foi dado por morto há mais de um ano pela revista britânica Prospect (Outubro 2005) como tivemos ocasião de fazer notar no número 61 de Futuro Presente (Mortos ou Vivos, "O mundo de Chomsky", introdução, p. 54). Era, como dizíamos, um ligeiro exagero. Estava vivo nessa altura – e continua vivo: faz hoje 88 anos.
Teve a sorte – como ele próprio diz numa entrevista recente – de ser enviado para o Gulag em 1945, com menos de trinta anos. "Abriu-me um campo de visão claro e o mais amplo possível sobre tudo o que se designava por bolchevismo, comunismo soviético e, mais profundamente, mergulhou-me nos fundamentos da nossa existência". (A cadeia às vezes é o caminho de uma liberdade superior – ideia que Soljenitsine partilha com o seu compatriota e também veterano das prisões russas Dostoievski; é o tema de um grande filme do cineasta francês Robert Bresson, Pickpocket, retomado por outro cineasta "metafísico", o norte-americano Paul Shrader, em American Gigolo; Schrader é também autor de um famoso ensaio sobre Transcendental Style in Film: Ozu, Bresson, Dreyer).
O autor de Um dia na vida de Ivan Denisovich, O Primeiro Círculo, O Pavilhão dos Cancerosos ou, claro, O Arquipélago do Gulag, tem no seu activo uma gigantesca história romanceada da Rússia no século XX. Foi entrevistado recentemente pela revista alemã Cicero, uma entrevista publicada depois por Le Figaro numa versão francesa que mão amiga e caridosa nos fez chegar.
Nessa entrevista - que citámos acima – Soljenitsine fala da queda do comunismo. O entrevistador diz-lhe: "O senhor é a prova viva de que um homem isolado pode influenciar o destino e de que a literatura pode igualmente ter influência. Tem todas as razões para estar satisfeito com o que conseguiu", ao que Soljenitsin responde: "A ditadura comunista merece uma oposição absoluta. No entanto, pedi repetidas vezes às potências ocidentais que não identificassem o comunismo soviético com a Rússia e a história russa. Infelizmente muitas potências ocidentais não marcaram essa diferença e a política dos dirigentes ocidentais, mesmo depois da queda da ditadura soviética, não se mostrou muito menos dura em relação à Rússia. Isso é uma grande decepção. Mas nos anos 90 aconteceram coisas ainda mais graves. Ao mesmo tempo que o país se tentava restabelecer em todos os aspectos (morais, económicos) triunfaram rapidamente forças obscuras, bandidos sem fé nem lei, que enriqueceram pela pilhagem nunca contrariada dos bens nacionais e implantaram na sociedade o cinismo e a corrupção moral. Foi uma catástrofe para a Rússia. Sofri muito com essas mudanças – como falar de ‘satisfação’?"
Homem de Fé e de Tradição que nunca se rendeu ao novo-riquismo democrático e "capitalista", partidário de uma democracia "orgânica" com base nas administrações locais, inimigo da "partidocracia" – Soljenitsine não é hoje muito ouvido – a Leste ou a Oeste. Mas merece ser lembrado.

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