terça-feira, maio 15, 2007

TEMPO BRASIL

"... encontrei todo um país que, penso eu, dificilmente seria superado em amenidade do céu. Quando jornadeava, nem me incomodou o calor diurno nem o frio nocturno, conquanto às vezes me arrepiasse o corpo. (...). Só de habitadores carece esta terra, e pede colonos para povoar e cultivar os seus desertos".

As palavras são de Maurício de Nassau, o famoso governador do "Brasil holandês", à sua chegada ao Brasil. Nassau não conseguiu realizar o seu projecto. O "economicismo" dos directores da Companhia das Índias Ocidentais e a resistência dos portugueses do Brasil bem enquadrada estrategicamente, a partir da Restauração, por D. João IV, venceram-no.

Mas a sua visão estava correcta. A terra do Novo Mundo era uma "terra prometida". O problema seria dos "habitadores".

E a expectativa cumpriu-se. O Brasil é um país a sério, um Estado nacional, onde esquerdas e direitas são nacionalistas e os empresários também; um interesse nacional servido pela internacionalização da economia; um país que cresce, com os militares, com Fernando Henrique ou com Lula; um país com uma cultura riquíssima com os grandes escritores vivos da língua portuguesa – de João Ubaldo Ribeiro a Nélida Pinõn; e as canções de Bethânia, Chico Buarque, António Carlos Jobim; e a poesia de Bandeira, de Vinicius, e o jornalismo do "Estadão", os "novelões", históricos de qualidade dos "Anos Rebeldes" a "JK"; um país onde em vez do "português" de cá, conselheirento e "direitinho", há uma língua viva, forte, que ferve, que caminha, que encanta.

Um país sério que Portugal "descolonizou" em paz e sossego, no quadro de uma solução familiar e dinástica. Depois dos trabalhos de Oliveir Lima, ninguém pode ignorar o papel de D. João VI, na formação e construção do Brasil: e que os "pais-fundadores" quiseram manter as fronteiras da colónia, no novo Estado; e que o modelo monárquico o poupou ao cancro dos "pronunciamentos" e aos caudilhos daí nascidos, como o tenebroso "Doutor Francia", imortalizado por Roa Bastos em "Yo, el Supremo" até ao sanguinário Rosas.

O último país civilizado a abolir a escravatura, graças também à força panfletária de um idealista lúcido, Joaquim Nabuco, cujos diários foram há pouco editados pela sua neta e grande senhora de duas grandes cidades americanas –de Nova Iorque e do Rio – Sylvia Maria (Vivi) Nabuco.
Falo do Brasil na volta de uns dias entre o Rio e Angra.

Nada mais fascinante que o "primitivo" enquadrado pela civilização de Angra dos Reis – essa baía que fecha a Sul na "cidade do ouro" de S. João de Paraty, povoada por ilhas verdes, vulcânicas, entre morros e montanhas, céu azul ao sol ou cinzento de capacete. E do Rio, sobrevivente a tudo – da saída do governo para Brasília às quadrilhas de marginais. O Rio da sinfonia do António Carlos Jobim e do Billy Blanco, das crónicas do Nelson Rodrigues, dos contos do Ruben Fonseca. E dos "anos dourados", os 50, tão bem evocados por André Jordan, um luso-brasileiro nascido na Mitteleuropa, e com "mundo", em O Rio que passou na minha Vida.

O perigo são os clichés vulgarizadores – o do "português" boçal e reaccionário e do brasileiro do Carnaval, da boa vida à sombra da bananeira. Enquanto deixarmos prosperar estas falsas percepções cruzadas, ficaremos sempre de fora ou ao lado.

Jaime Nogueira Pinto
Publicado no Expresso a 12 de Maio 2007

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