sexta-feira, novembro 14, 2008

OBAMA - CENÁRIO PESSIMISTA

A Revista Sábado pediu-me que, para um exercício de história-ficção, fizesse um cenário negativo da Administração Obama em 4 anos, para 2012. Daniel Oliveira ficou com o positivo. Publico aqui o meu, com alguns aditamentos, que por razões de espaço não couberam na edição da Revista de 13 de Novembro de 2008.



2012 – A MEMÓRIA DA GLÓRIA

O Presidente Barack Obama olhou com nostalgia a foto de Grant Park, tirada no preciso momento em que soubera, pela vitória na Pensilvânia e no Ohio, que ia ser o 44º Presidente dos Estados Unidos. Tinham passado quatro anos sobre a imensa mole de americanos de todas as etnias, idades, origens e classes que ali o aclamava, com as luzes mágicas
do skyline de Chi em fundo.
Ele, o desconhecido, com raízes em África, na Ásia, no além-mar, em lado nenhum, era nesse dia o eleito do povo e do Destino, levando consigo os milhões de negros da América e as memórias de muitas humilhações e ofensas. Fora uma saga fantástica, uma corrida vertiginosa. Das conversas com alguns amigos e velhos routiers democráticos surgira e florescera ali, em Chicago, o projecto. Depois batera Hillary Clinton, a toda-poderosa senhora do partido, a que, à partida, parecia ter tudo – a experiência, o nome, o dinheiro, os barões. E por fim, McCain, que tinha o handicap de ser republicano, mas que era um herói americano, um mito nacional. Fora uma guerra renhida até que, na hora H, com McCain já próximo, o amaldiçoado-abençoado crash financeiro lhe viera consolidar a vantagem.

A economia, estúpidos!
Obama reconhecia a qualidade do adversário. E tinha discutido com os seus conselheiros o “factor racial”, o “efeito Bradley”, a questão da cor para os trabalhadores brancos da baixa classe média e das casas pink dos subúrbios – religiosos, preconceituosos e desconfiados – que não iriam querer um negro com ligações esquerdistas na Presidência. Mas até parte desse eleitorado ele conseguira conquistar.
O crash ajudara, criando a imagem dos republicanos como especuladores forrados de milhões mal ganhos. A partir daqui, queriam lá saber que ele fosse negro e que tivesse uma agenda liberal. O que não queriam era mais republicanos. Nem mesmo McCain. E quando os congressistas do GOP chumbaram o Plano Paulson à primeira, as polls dispararam a seu favor. Até na Florida e no Ohio. Outra vez a economia: estúpidos!

No princípio era o Afeganistão
Isto há quatro anos. E que quatro anos… Se a desgraça de George W. Bush começara no Iraque, com Paul Bremer e com os marines em Bagdad transformados em polícias, a dele, Obama, dera-se nas montanhas do Afeganistão. Apesar dos conselhos dos que lhe diziam que “o Afeganistão nem sequer era um país”, e que deixasse “os senhores da guerra tomar conta das coisas”, o peso dos intervencionistas democráticos e as suas próprias promessas levaram-no a reforçar a operação Afeganistão: a “boa guerra”. Os 35.000 homens que ali encontrara em 2008 passariam a 70.000 em 2009 e depois a 100.000.
Sem sucesso. Os talibãs continuavam a emboscar as tropas da NATO – (ou seja, os americanos, já que os aliados tinham deixado há muito de sair dos quartéis). E os europeus manifestaram-se logo que as baixas começaram a subir: “Se os mortos das guerras coloniais nos fizeram sair dos nossos impérios, por que diabo vamos morrer agora para o Afeganistão?”
A intenção de retirar do Iraque levara os locais a realinhar fidelidades: ao quebrar-se o equilíbrio que os americanos mantinham, os shiitas tinham recomeçado as hostilidades com os sunitas; no Norte, os curdos, sentindo-se em risco, tinham feito os seus jogos – com Israel, com os sunitas – enervando os turcos, que tinham invadido e ocupado Erbil.
A Al-Qaeda, contida pela aliança dos americanos com os chefes tribais, tinha voltado ao ataque. Em Bagdad, como em 2005 e 2006, voltavam a rebentar diariamente carros armadilhados.
Por isso tivera que parar a retirada para esta não parecer uma fuga, um risco acrescido para as suas tropas. E para a retirada correr bem era necessário reforçar e reordenar o dispositivo no terreno. O General Petraeus pedira a demissão e tornara-se um Wesley Clarck republicano, intervindo por todo o lado contra a administração. Não matava mas moía.
De resto o Médio Oriente continuava o mesmo vespeiro que sempre fora. Obama escolhera a diplomacia pessoal, tentando, como Carter, “levar os homens de boa vontade à mesa das negociações”, mas percebia agora o que o seu conselheiro Zibigniew Brezinsky lhe repetira: “Presidente, para os radicais é indiferente ser o senhor ou o Dick Cheney. Eles querem é ganhar!”. E não havia muitos homens de boa vontade naquelas terras Santas…
Mais terrorismo
Os terroristas escalavam. Em 2009, um míssil atingira um avião da Continental, na descolagem de Fiumicino; em 2010, tinham sido ataques nas capitais da NATO que mantinham tropas em Cabul; gases venenosos, terrorismo indiscriminado – nos metropolitanos, nos comboios, até contra um cruzeiro de reformados, nas Caraíbas. E com o gás sarin em S. Francisco fora o pior. Tudo isto apesar de ter assinado Kyoto, encerrado Guantanamo, de ter visitado a Palestina, de ter conversado como os ayatollas, com Chávez, Castro e Mugabe. Mas pouco ou nada acontecera. Chávez tinha como ponto de honra desafiar os gringos, fossem brancos, negros ou latinos e Mugabe era um autocrata mitómano e atrevera-se – o velho gagá – a chamar-lhe Uncle Tom!
A “Liga das Democracias”, uma ideia de Susan Parker e Anthony Lake trouxera-lhe a hostilidade de russos, de chineses e de autocratas de todos os credos. E os aliados europeus, apesar de enaltecerem a “boa governança”, “os direitos humanos”, a “transparência”, embatucavam quando tocava à aplicação de medidas: porque os autocratas russos, chineses e médio-orientais vendiam-lhes a energia, compravam-lhes os aviões, capitalizavam-lhes as empresas. E tinham, com os sovereign funds, comprado Detroit e metade de Wall Street.
Porque a economia era outro calvário: herdara uma gigantesca dívida, da subprime, dos junk bonds, das financeiras falidas, dos bancos à beira do colapso, dos banqueiros orfãos. Por isso os planos ambiciosos quanto à saúde, à educação, à segurança social – os pontos de honra da sua campanha – tinham sido comprometidos. Os conselheiros – entre outros, Paul Volcker, o Presidente do FED de Reagan, e Warren Buffet, o homem mais rico do mundo – faziam coro: devia governar ao centro, como toda a gente na América, por muito que custasse ao seu núcleo histórico. E por isso tinha os seus à porta e a protestar.

Com amigos destes…
Como os que queriam nacionalizar a indústria automóvel, para não ir para os árabes. E o dinheiro? Ou o Barney Frank, o senador gay assumido, que queria cortar o orçamento militar em 25%. E o Afeganistão? E que diriam os generais? E louco do John Conyers, do House Judiciary, que, como os esquerdistas europeus, queria julgar Bush por crimes de guerra!
Nenhum destes feudais do seu partido, advogados de interesses “liberais”, lhe tinha dado descanso. Era a mesma gente que tinha complicado as políticas de Carter e de Clinton. Só que ele, Obama, não estava disposto a deixar que lhe fizessem a cama e a agenda.
Depois de seis meses de graça, a sua presidência fora difícil. Que saudades do yes, we can! da campanha – um raid bem planeado, com novas tecnologias, com voluntários, muito dinheiro, três vezes o de McCain, que era o “candidato dos ricos”!
Mas governar era escolher, e escolher na margem dos fifty-fifty de vantagens e desvantagens. E escolher depressa, num país com 300 milhões de pessoas, grandes interesses opostos e agendas polémicas, como a energia e o ambiente. E a defesa contra um terrorismo que pouco tinha a ver com a pobreza dos árabes ou os métodos da CIA, mas mais com visões, fobias, interesses, ódios antigos, expectativas frustradas, humilhações – com a vida.
Não se podia satisfazer a todos quando se tinha que decidir: os primeiros desiludidos tinham sido alguns dos seus iniciais apoiantes radicais: como Frank e Conyers, como aqueles académicos e jovens brancos liberais, que achavam que a América devia ser uma espécie de ONG, sem exército, sem forças armadas, só mesmo soft power. E os seus simpatizantes europeus que lhe enviavam mensagens de desilusão – como o antigo presidente português Soares que lhe enviara um telegrama “Trés désilusioné avec Vous, si j’était américain je ne voteais pás plus pour Vous”. Ou o venerando Prémio Nobel, José Saramago, também português, que lhe retirara o seu apoio, quando ele reforçou o Afeganistão e ofereceu dobrar o prémio pela cabeça de Ben Laden. “Saramago, Soares, who cares?”, dissera-lhe o Rahn Emanuel… Verdade, preocupavam-no, a sério, outras coisas…
Meditação final
Voltou a olhar os últimos indicadores. O seu adversário, Arnold Schwartznneger, governador da Califórnia, estava na frente: além de ter reconquistado todo o território vermelho do Sul e Middle-West, entrara em força no Nordeste industrial – na Pensilvânia, no Ohio, no Wisconsin. E era capaz de levar a Califórnia. Oprah Winfrey (sim, também a fiel Oprah) acabara de entrevistar o ex-Conan numa longa peça apologética. Até os afro-americanos estavam agora a fragilizar o seu apoio. Sobretudo os religiosos – muitos – que não alinhavam na agenda dos costumes e votavam os referendos estaduais contra o gay-marriage e a adopção por homossexuais. E soubera que até no Quénia, em Nairobi, havia um movimento popular para retirar o seu nome das placas das ruas e praças do país. A razão invocada é que não beneficiara os seus, que era ingrato, como qualquer branco ou colonialista!
Os católicos também estavam contra as políticas da família e a agenda progressista; como os latinos, decisivos no Novo México, Colorado e Florida.
Pensou, com alguma simpatia, no seu antecessor George W… Também se devia ter sentido assim, sozinho, humilhado, abandonado. Não era mau tipo, com o seu ar de filho-família entre o atento e o admirado. A culpa era mesmo capaz de ter sido do Cheney e dos neocons. Que agora – e eram dos últimos e dos únicos – o apoiavam no Afeganistão. Deus o ajudasse!


P.S. Desafiado para fazer o cenário “mau”, aceitei. Mas espero, para bem de todos, que qualquer semelhança com a realidade seja pura coincidência.
Jaime Nogueira Pinto
Revista Sábado, 11 de Novembro 2008

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